sábado, 27 de abril de 2013

O Beco da Salvação

   O Beco da Salvação ficava em um lugar bem distante da parte socialmente aceitável da cidade. Era um lugar escuro e fedorento, de dar medo a qualquer pessoa que não estivesse acostumada. O que não era o meu caso. Eu tinha duas amigas prostitutas lá. E era lá mesmo que elas trabalhavam. Uma era Talita, e a outra, Gisele. Ambas com seus vinte e poucos anos. Apesar do preconceito da sociedade, achava as duas ótimas amigas.
   Além delas, tinha outras prostitutas e alguns drogados. E bom, não preciso ficar explicando o porquê do nome "Salvação". Drogas. Isso define tudo. Era ali que a galera se picava. E todos ali tinham algum problema. Mas as drogas tiravam o foco do sofrimento. E assim a gente fingia que estava tudo bem. O Beco era um lugar terrível, camisinhas e seringas se misturavam na calçada.
   Quando cheguei lá, já estava tudo escuro. Uma iluminação bem precária, o suficiente para olharmos por  onde andávamos. Talita e Gisele já estavam a procura de clientes. Me aproximei para dizer um oi e perguntar onde estava o responsável pelas drogas. Pela heroína, para ser mais exata. Heroína, como eu precisava de uma na minha vida. Mas não injetável. Eu queria uma heroína de verdade, dessas de histórias em quadrinhos e filmes. Eu queria ser salva, de alguma maneira.
   E então minha salvação apareceu. Lucas surgiu na minha frente oferecendo recipientes com heroína. Paguei por um. Seringa, eu sempre tinha uma nova comigo.  Pensei em ir para casa, queria me picar com alguma dignidade. Mas seria impossível não ser pega. Então pensei no que é um peido para quem está cagado. E então escolhi um canto do beco e me sentei no chão.
   Peguei o recipiente, minha garrafinha de água, minha seringa, minha agulha e meus algodões. Na tampinha do recipiente, coloquei um pouco da heroína. Depois, com a ajuda da seringa, coloquei um pouco de água e com um algodão fui filtrando as impurezas que sobravam. Depois de todo esse processo, peguei minha seringa e puxei a mistureba através do algodão, para filtrar um pouco mais. Preparei minha agulha e pronto. Tudo certo.
   Mas eu tinha esquecido de um detalhe. Eu precisava de um torniquete para amarrar no meu braço. Merda. Olhei para os lados para ver se achava algum, mas nada. Tentei chamar a atenção da Talita, que estava pagando boquete em um canto, mas ela nem sabia da minha existência naquele momento. Comecei a acenar desesperadamente para Gisele. E finalmente, ela veio rebolando na minha direção. "Torniquete", cochichei. E como uma boa garota, ela tirou da sua bolsa, entre alguns preservativos, o que eu tanto precisava.
   Amarrei o torniquete no braço. Me preparei para a agulha e lá estava eu. Injetando heroína. Era a segunda vez que eu fazia aquilo. A primeira vez, tinha sido no banheiro da casa do Chico. E como toda primeira vez, eu estava super nervosa, pensando que tragédia seria se eu me viciasse em alguma droga. Depois disso, fui fazendo contatos com outras pessoas e descobri como conseguir heroína no Beco da Salvação. Não era nada difícil. Mas eu não queria fazer aquilo sempre. Desde a minha primeira injetada, tinha se passado um mês e pouco. Um bom intervalo. Agora eu teria que me controlar para não afogar todas as minhas mágoas em seringas em ruas escuras. Era muito falta de amor próprio.
   Fiquei sentada naquele são sujo, esperando o efeito da droga chegar. E de repente, senti uma vontade louca de levantar, fazer mil telefonemas para dizer o quanto eu estava ótima. Principalmente para Diego. Pensei em dizer que ele nunca me deixaria mal e que eu estava realmente, ótima! Ótima! ótima! ótima! ótima! ÓTIMAAAAA!!!!! AHHHHHHHHHHHH HAHAHAHAHAHHAHAHAHAHAHAHAH EU TÔ ÓTIMA SEU FILHO DA PUTA HAHAHAHAHA E uma euforia genuína tomou conta da minha alma e do meu corpo. Eu estava bem.
   

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